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A Dimensão Humana, Exposição no Fórum Cultural de Ermesinde

03-09-2021 a 28-11-2021

A presente exposição dá a conhecer uma das facetas menos conhecidas da obra de Nadir Afonso: a representação ou sugestão da figura humana. Tema que, ao longo da História do homem, os artistas se interessaram, pela representação do corpo humano na arte e na pintura.
No Paleolítico que o homem esculpiu a Vénus de Willendorff; na Antiguidade Clássica foi uma temática com cenas mitológicas desenvolvida tanto pelos Gregos como pelos Romanos. Na Idade Média imagens de carácter erótico habitam a estrutura de edifícios esculpidos em mísulas, capitéis e gárgulas. A pintura do Renascimento Italiano ou o Barroco está povoada de alegorias e sensualidade. Do Impressionismo, Surrealismo, para dar alguns exemplos de alguns movimentos, até aos nossos dias o erotismo acompanha a história de arte.
Nadir Afonso também atraído pela beleza dos corpos, pela volúpia e sensualidade apresenta-nos uma série de telas onde predomina sobretudo a figura da mulher: deixemo-nos seduzir pelo traço sui generis de Nadir Afonso.
A exposição compreende um conjunto significativo de telas sobretudo do período organicista e antropomórfico. Este período é caracterizado sobretudo pela introdução da figura humana, onde a evocação explícita da figura feminina é nítida como, por exemplo, em Banhistas, A Cidade Longínqua, ou um misto de figura e cidade.
À superfície da tela, irrompe uma interligação e interpenetração de elementos que sugerem a cidade, numa simbiose de figuras humanas, sobretudo corpos femininos: Valquírias, Carnavalescas, Estátuas Móveis, Electra et Oreste.
Para Maria José Magalhães: «Em Zaratustra vislumbra-se o encontrar de um equilíbrio entre o abstracto e geométrico e a representação da figura humana — a aproximação às mitologias — Electra e Orestes – na contradição entre a ordem e o caos, também como em Apolo entra nesta secção da tentativa de equilibrar o indefinido e a liberdade do caos com o controle supremo da geometria e da matemática — o resultado são espécies de deuses (e esses achievements são para o masculino, o feminino mantém-se no vislumbrável e indefinido), a obscuridade do que não se percebe mas se adivinha [Le Rêve] também em Estátuas Móveis ou Criselefantinas.»1
O processo artístico de Nadir Afonso é sustentado pela reflexão e análise teórico-filosófica, de formulação própria e o consequente trabalho prático como fio condutor de uma metodologia que o acompanhou ao longo da vida. O artista defende uma estética racional que pressupõe a relação das leis matemáticas, leis universais que existem na Natureza, indispensáveis para alcançar a exatidão matemática, distingue os atributos qualitativos associados à função dos objetos que se alteram no espaço e no tempo dos atributos quantitativos da forma e que geram na
sua morfometria a obra de arte. A relação existente entre objeto representado ou tema da composição, com a estrutura matemática da obra de arte (morfometria) essa, sim, é de natureza geométrica geradora da obra de arte.

Numa análise do fenómeno artístico e classificação da obra de arte universal, é indispensável ter em linha de conta a distinção dessas duas faculdades — sensibilidade e razão, a diferença entre sentir e compreender.
Para Nadir a propriedade essencial da obra de arte – a exatidão – não é apreendida ao nível do raciocínio. Compreender a exatidão do círculo ou do quadrado, não é sentir a essência da lei da exatidão. Sentir a essência da exatidão, é trabalhar longamente as formas e desenvolver uma hipersensibilidade às suas leis.
Nadir refere que a evocação é uma qualidade secundária da obra de arte e por conseguinte não lhe confere especificidade. A originalidade é uma qualidade própria e necessária a toda a obra de criação: «Não basta, para determinar o grau de originalidade, comparar o objeto com outro objecto-padrão, é preciso estabelecer a sua relação com inúmeros objetos tomados como termos de comparação. (…) é original porque é único no seu género, porque apresenta características que não existem noutros e, para formular este juízo de uma forma íntegra é preciso levar a comparação às últimas consequências, isto é, compará-lo com todos os quadros existentes.»2
Assim, sendo a arte um fenómeno visível, para Nadir não faz qualquer sentido idealizar histórias que descrevam os objetos representados ou os temas, como, não faz
sentido dizer que a obra de arte expressa a alma do artista.
A perfeição está relacionada com as propriedades da obra relativas à função. É qualidade secundária pois é evolutiva, varia de acordo com o espaço e o tempo, assim um objeto é perfeito quando responde à necessidade do sujeito ou à função do sujeito.
“Refletir sobre a pintura em estado de aberto, no caso de Nadir Afonso, é refletir sobre a possibilidade da pintura estar ancorada numa dimensão exógena à própria fenomenologia artística da pintura. Isto é, quando falamos na pintura nadiriana em estado de aberto, o que desejamos dizer é o seguinte: a narrativa em Nadir é muito mais do que a simples aparência da representação, pois, mais importante do que a pintura, ou a arquitetura, será o pensamento – que diz e que faz. Pelo que, ousamos dizer, a dimensão tanto da diáspora (que cria as condições), como da navigatio vitae (que dá a ver a narrativa), não são mais do que dimensões de alguma relação de causa e efeito” escreve António Quadros Ferreira, para acrescentar “a pintura de Nadir Afonso a partir dos anos 90, e depois das cidades, apresenta uma opção estratégica nova. Ao recuperar a figuração no espaço da geometria, propõe-nos Nadir que se configure uma estrutura pictórica fundada em narrativas significantes e que seja uma espécie de alternativa à pintura das cidades. Nadir recupera, então, a figura humana instalando-a,
ou teatralizando-a, em pleno cenário urbano e citadino. Trata-se de uma ação deliberada de fazer habitar e povoar a cidade pela figura – mas o que se receciona de facto será aparentemente o contrário – uma ação automática de representar a arquitetura pela construção das cidades a partir do lugar e espaço da figura: relação entre figura e cidade, ou relação entre forma e fundo. Deste modo, a figuração que Nadir recupera é de uma outra figuração: é a figuração que se estrutura comprometida por um arquétipo geométrico e abstrato, tanto a figuração que diz, como a geometria que pensa ou a abstração que pinta”. 3
As obras são agora reunidas dão-nos a conhecer uma faceta menos conhecida do trabalho deste artista surpreendente cuja paixão pela arte, pela compreensão dos mecanismos criativos.

Texto por Laura Afonso

1 Maria José Magalhães, «Entre a liberdade e a disciplina através do rigor criativo»,
Nadir Afonso: Itinerário (com) Sentido, (coord. Agostinho Santos) Edições Afrontamento, Porto, 2009, p. 108.
2 Nadir Afonso, O Sentido da Arte, Livros Horizonte, Lisboa, 1999, pp. 43-44.
3 António Quadros Ferreira, Nadir, subjectum da Arte, catálogo de exposição, Chaves, 2020.pp.39 e 48.